O proprietário rural brasileiro não pode, jamais, “dormir no ponto” quando o assunto é a segurança jurídica de sua terra. Um dos temas mais sensíveis e urgentes para quem possui imóveis no interior do país, especialmente em regiões de fronteira, é a ratificação de títulos de imóveis rurais localizados na chamada faixa de fronteira, procedimento obrigatório com prazo fatal: 22 de outubro de 2025. O risco não é pequeno: quem não regularizar pode perder a propriedade para a União, mesmo tendo adquirido a terra de boa-fé.
A chamada faixa de fronteira compreende uma área de 150 quilômetros de largura ao longo da linha de fronteira terrestre brasileira com países vizinhos. Essa delimitação vem sendo tratada na legislação desde 1850 (Lei de Terras) e foi evoluindo ao longo das constituições brasileiras e demais normativos fundiários, tornando-se cada vez mais estratégica para fins de soberania, segurança nacional e controle fundiário.
Historicamente, muitos estados da federação realizaram a alienação ou concessão de terras devolutas da União dentro dessa faixa, o que configurou cessões irregulares. Em outras palavras, os estados deram a particulares aquilo que não lhes pertencia, terras federais.
Foi justamente para resolver essa anomalia histórica que surgiu a Lei 13.178/2015, conhecida como Lei da Ratificação, que visa legitimar essas situações irregulares desde que observadas as condições legais.
A ratificação é o reconhecimento oficial da validade de um título de terra emitido por um estado dentro da faixa de fronteira. Ela protege o proprietário de boa-fé, assegura o direito de propriedade, possibilita acesso ao crédito, evita litígios e impede que a União reivindique o imóvel como seu.
Devem ratificar todos aqueles que possuem imóvel rural localizado até 150 km da fronteira com outro país; que possuam título de origem estadual, que ainda não tenha sido ratificado pelo INCRA ou que não esteja sob exceção prevista na própria Lei 13.178/2015.
Dentre as exceções a essa exigência estão, por exemplo aqueles produtores rurais cujas terras possuam títulos emitidos diretamente pela União; os assentamentos do INCRA; imóveis já ratificados e averbados em cartório; áreas em processo judicial de desapropriação para reforma agrária e imóveis com área superior a 2.500 hectares, que dependem de autorização expressa do Congresso Nacional (art. 49, XVII, da Constituição Federal).
Insta salientar, que por conta da variedade de exigências cartorárias e falta de regulamentação uniforme nacional, embora a Lei da Ratificação tenha transferido a competência para os cartórios de registro de imóveis, cada estado passou a interpretar e exigir documentos de forma diferente, o que tem gerado insegurança jurídica e confusão entre produtores que por vezes não sabem nem por onde começar para colocar a casa em ordem.
Mato Grosso, por exemplo, adotou normas mais rigorosas, entendendo tratar-se de procedimento cuja participação de advogado e engenheiro são indispensáveis. Noutra banda, Mato Grosso do Sul, em atenção à Lei da Desburocratização (Lei 13.726/2018), simplificou o processo.
Ademais, muitos cartórios têm suas próprias listagem de exigências e há a possibilidade de impugnações administrativas, tornando o processo ainda mais moroso.
Regularizar a situação da terra diante do que a lei exige trata-se no direito de compliance ambiental: análise de riscos diante dos possíveis cenários e conseguinte preparação e planejamento para que sejam evitados.
Sendo assim, a importância em adotar boas práticas na gestão do bem imóvel, além de valorizá-lo (inclusive a marca), diminui ou até mesmo eximi o produtor rural dos riscos de não fazê-lo. Este caso aqui tratado, especificamente, possuem dois perigos que demandam atenção: o prazo dado pela Lei era de apenas 4 anos, mas foi ampliado pela Lei 14.177/2021, que estendeu o limite para outubro de 2025 e os processos, especialmente os mais complexos, podem demorar meses.
Importante frisar que, dentro do processo de ratificação de terras na faixa de fronteira, além do título de propriedade, há uma série de documentos complementares que exercem papel fundamental na comprovação da legitimidade da posse, da ocupação produtiva e da boa-fé do proprietário.
Dentre os papéis exigidos, destacam-se o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que auxilia na delimitação geográfica do imóvel e na demonstração da regularidade ambiental da área, o CCIR, o ITR, o georreferenciamento e laudos técnicos. Lembrando que podem ser exigidos outros documentos, conforme a regulamentação de cada estado e cartório.
O risco de perda do imóvel é real. A ratificação não é opcional, é medida de proteção patrimonial e segurança jurídica que previne o risco da perda. E diante da complexidade e da variação de exigências, é fundamental agir agora.
Neste país onde o respeito à propriedade privada nunca foi garantido com facilidade, é preciso que o produtor rural esteja atento, organizado. A omissão pode custar caro.
*Gervásio Alves de Oliveira Júnior – advogado do produtor rural há 40 anos.